O Globo
Número de julgamentos de improbidade e de crimes contra administração pública cai em 2014
por Thiago Herdy
SÃO PAULO — A pressão do principal órgão regulador do Judiciário brasileiro se mostrou insuficiente para intensificar o combate à corrupção no país. Pelo segundo ano consecutivo, tribunais estaduais e federais passaram longe da meta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que previa o julgamento até dezembro de 2014 de todos os processos de improbidade administrativa e crimes contra a administração pública distribuídos até dois anos antes.
Dados obtidos pelo GLOBO mostram que tribunais estaduais julgaram até dezembro do ano passado apenas 47,44% dos processos com essas duas categorias, índice ainda menor que o registrado em 2013 (50,51%), ano em que vigorou pela primeira vez a disposição dos juízes de tratar como prioridade casos de colarinho branco. Nos juizados federais, o resultado também foi ruim: 58,29% dos processos relacionados a corrupção foram julgados, contra 69,87% em 2013.
Ações de improbidade administrativa são propostas em varas cíveis pelo Ministério Público contra agentes públicos ou fornecedores do Estado suspeitos de agir de forma desonesta, com previsão de suspensão de direitos políticos e ressarcimento de prejuízos, entre outras punições. A lei que trata do tema vigora desde 1992. Já os procedimentos relacionados a crimes contra a administração pública, previstos no Código Penal, tramitam em varas criminais e preveem multas e prisão de infratores, sejam eles corrompidos ou corruptores.
INFLUÊNCIA DE FATORES EXTERNOS
Tribunais estaduais da Bahia, Piauí, Pernambuco e Roraima apresentaram os índices mais baixos de cumprimento da meta, atingindo menos de um terço do previsto pelo CNJ para 2014. Os resultados foram piores neste ano na comparação com o anterior em 17 estados (veja o ranking ao lado). Na Justiça Federal, o mau desempenho do Tribunal Regional Federal 1 (TRF-1), que acumula processos de 14 estados, influenciou diretamente a queda da média nacional. Segundo o CNJ, os dados são preliminares e ainda podem ser retificados pelos estados.
— Detectamos que muitas ações de improbidade não estão tendo um curso normal, por conta de fatores externos à magistratura. Há casos de magistrados que não dão conta de ações que importam demanda contra pessoas com poder político ou influência econômica — analisa o conselheiro do CNJ Gilberto Martins, sem acusar individualmente um ou outro magistrado.
Responsável por acompanhar o cumprimento da meta no país, Martins diz que o desafio dos tribunais é “detectar fragilidades e tentar corrigi-las”.
— As ações de improbidade exigem um empenho maior do magistrado e de assessores — diz o conselheiro, que sugere a adoção de uma “estrutura aprimorada” para varas que tratam desses crimes, “por estar em jogo o interesse coletivo e social” e se tratar de assuntos de “altíssima complexidade”.
O conselheiro cita as metas como uma “delimitação de horizonte”, por isso considera que nem sempre será possível cumpri-las integralmente.
— Ainda assim, poderia ter ocorrido um maior desempenho por grande parte dos tribunais. A gestão superior poderia montar estruturas mais adequadas para essas ações — defende.
Segundo o balanço do CNJ, 10,8 mil processos de improbidade administrativa e 78 mil ações relacionadas a crimes contra administração pública foram julgadas no último ano. Pelos parâmetros da meta, outras 23,5 mil ações de improbidade e 65,8 mil de crimes contra a administração deveriam ter sido julgadas no último ano.
Entre os casos não analisados está a ação civil pública contra o ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia e as empresas Carioca Christian-Nielsen Engenharia e Andrade Gutierrez, entre outros, por irregularidades nas obras da Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Desde 2009, o MP pede a devolução de R$ 1 bilhão em multas, indenização por dano moral coletivo e gastos ilegais com uma cerimônia de inauguração.
Também não foram julgadas quatro ações de improbidade administrativa contra o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, referente ao período em que era prefeito de Piraí, no interior do Rio, por compra de ambulâncias. Outros gestores da cidade também respondem à ação. Para o MPF, os casos podem ter ligação com a máfia dos sanguessugas, que sangrou em pelo menos R$ 100 milhões o caixa do Ministério da Saúde entre 2000 e 2005.
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Em ação decorrente de outra investigação sobre a mesma organização criminosa, apresentada contra o ex-prefeito de Leme, no interior de São Paulo, e outros dirigentes municipais, magistrados fazem menções diretas à necessidade de cumprimento da meta do CNJ e, por isso, tramitação em urgência do processo. Mas, o esforço é em vão, já que a ação ainda não foi finalizada.
Boa parte do primeiro escalão do novo governo de Minas Gerais, do petista Fernando Pimentel, também já deveria ter sido submetida a julgamento por improbidade ou crimes contra a administração pública, segundo os critérios do CNJ. O secretário de Estado, Marco Antônio Teixeira, é processado desde 2010 por suspeita de fraude em licitação pública e desvio de recursos, na implantação de câmeras de vigilância, causando prejuízo de R$ 5 milhões. Ele responde também em outro processo por improbidade, por suspeita de desvio de recursos na construção de casas populares, caso em que divide o banco dos réus com o atual secretário de Obras e Transporte Público de Minas, Murilo Valadares. O secretário de Fazenda José Afonso Bicalho é réu tanto por improbidade quanto peculato na ação do mensalão tucano, em dois processos que ainda não foram julgados, apesar de terem sido distribuídos à Justiça bem antes de 2012. Por causa da demora, réus já tiveram os crimes prescritos. Já o secretário de Cultura de Pimentel, o petista Angelo Oswaldo, responde desde 2009 por improbidade por suspeita de má aplicação de recursos em obra de pavimentação, na época em que era prefeito de Ouro Preto. Todos os acusados citados alegam inocência.
Tribunal com pior índice de cumprimento da meta do CNJ, o TJ da Bahia atribuiu o problema à falta de varas especializadas no julgamento dos crimes de improbidade ou contra a administração pública. “Esses processos são julgados pelas varas criminais comuns, cumulativamente aos demais processos, o que prejudica o cumprimento de mais essas metas”, argumentou a assessoria da presidência do tribunal, que também se diz impossibilitado de ampliar o quadro de magistrados e servidores. O tribunal também alegou que os dados do estado poderão vir a ser retificados.
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