O papel que Jorge Mario Bergoglio desempenhou no sequestro e na tortura pela ditadura militar argentina (1976-1983) do padre Orlando Yorio ainda está por ser decifrado.
Que o agora papa Francisco use seu irrestrito poder na igreja para liberar documentos que esclareçam definitivamente qual foi sua atuação durante o regime militar é uma exigência de Graciela Yorio, 67, irmã do padre.
“Não quero sujar a imagem do papa. Que ele desfrute de seu poder. Mas exijo que a igreja nos ajude a encontrar a verdade”, afirma a argentina à Folha, em entrevista concedida em sua casa, no extremo norte de Buenos Aires.
Particularmente, Graciela está convicta de que Bergoglio delatou seu irmão aos militares como sendo próximo à militância de esquerda, rotulando-o de “guerrilheiro”.
Essa suspeita levou à prisão de Yorio, que foi torturado no principal centro clandestino de detenção em Buenos Aires durante a ditadura, a Esma (Escola de Mecânica da Marinha). “Meu irmão não tinha dúvidas sobre isso. E eu acredito em meu irmão”, afirma Graciela.
Yorio passou cinco meses em poder dos militares, a partir de maio de 1976. Relatou ter sido encapuzado, ameaçado de fuzilamento, amarrado a uma cama, privado de alimentação e do uso do banheiro.
“Assim como muitas outras pessoas que viveram o trauma da tortura, que deixa sequelas no corpo e na alma, Orlando morreu prematuramente [em 2000, aos 67, vítima de infarto]“, diz Graciela.
Na época da detenção de Yorio, que havia sido professor de teologia de Bergoglio, o papa exercia a liderança dos jesuítas em Buenos Aires.
Graciela diz que “em algum lugar têm que estar os informes” de como a igreja atuou em relação à detenção do irmão. Cita Santo Agostinho: “Ele dizia que primeiro vem a verdade, depois, a compaixão”. Apesar da referencia católica, a irmã de Yorio afirma que, desde a eleição de Bergoglio como papa, pretende desistir da fé.
“Essa igreja não me representa mais. Tenho um profundo sentimento de injustiça.” Ela conta que, ao ouvir o anúncio do sucessor de Bento 16, esmurrou as paredes de sua casa, num ataque de raiva.
Parte da opinião publica argentina acredita que tenha sido a suspeita de cumplicidade de Bergoglio com a ditadura que determinou a sua derrota na sucessão de João Paulo 2º.
A versão foi insinuada em audiência da causa Esma –que investiga os crimes da ditadura no centro de detenção– na qual Bergoglio foi ouvido, em 2010, sobre a prisão e tortura de Yorio e do húngaro-argentino Francisco Jalics.
Bergoglio não apenas negou que os tenha delatado, como relatou ter pedido sua soltura ao regime. Afirmou também haver tomado providências para garantir a segurança de Yorio após a libertação.
Ele afirmou que Yorio e Jalics eram adeptos da Teologia da Libertação, mas ressalvou que eram “equilibrados e ortodoxos e seguiam a linha das instruções da Santa Sé”.
Bergoglio admitiu ter tomado conhecimento de que Yorio o acusava de delação, mas ressaltou que obteve essa informação de terceiros.
“Jalics foi com quem pude conversar mais, nas vezes que veio [a Buenos Aires], sempre com uma atitude muito compreensiva. Ele não quer recordar essa época, deu-a por superada”, disse Bergoglio no depoimento à Esma. “Nenhum dos dois nunca me disse que eu poderia ter feito mais. Não me recriminaram.”
Sobre a acusação de Yorio, afirmou: “Considero-a condicionada ao sofrimento que ele teve de passar”.
Ontem, Graciela viu na declaração do Vaticano de que há uma campanha difamatória contra o papa um recado a ela. “Não tenho o respaldo de nenhum partido. Aqui o que existe é uma família em busca da verdade.”
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