Em pleno ano da eleição mais importante do país, o Brasil ainda está discutindo o resultado das eleições de 2012.
Isso porque os tribunais eleitorais têm mais de mil processos que investigam a compra de votos nas eleições para
prefeito.
Seu voto tem preço?
“Às vezes dão de R$ 20, R$ 30, R$ 50, por aí”.
“Se a pessoa for esperta, ganha mais dinheiro. Ganha R$ 100, R$ 150”.
“Eu recebi acho que uns R$ 600”.
“R$ 1 mil”.
Na verdade, o voto não pode ser comprado nem vendido. Nem com dinheiro, nem com mercadorias ou qualquer tipo de vantagem. Isso é crime eleitoral.
Os eleitores que você acabou de ver moram em cidades onde os prefeitos estão sendo investigados por compra de votos na eleição de 2012.
Os vídeos que você vai ver agora são parte de processos de investigação sobre compra de votos. E são reveladores.
Paulínia, interior de São Paulo. O então candidato a prefeito Edson Moura e seu filho, Edson Moura Júnior, ambos do PMDB, acabaram de participar de uma reunião de campanha na casa de um cabo eleitoral.
No quarto, o candidato recebe uma das participantes da reunião. Eles se cumprimentam e conversam.
Pouco depois, ele tira a mão do bolso e conta o que tudo indica ser dinheiro. Faz isso mais uma vez. E dá à mulher o maço que acabou de contar. Ela guarda e vai embora.
A cena se repete com esta outra mulher. No fim do encontro, ela também guarda o que acaba de receber das mãos de Edson Moura. Era mesmo dinheiro? Eleitoras que estiveram na reunião afirmam que era dinheiro, sim.
“Todo mundo ali saía com dinheiro. Todos”.
“A gente entramos pro quarto da casa. E aí a gente falou que estava necessitado de dinheiro e ele pegou e toma. E deu R$ 500”.
Mais uma eleitora – a terceira da noite – recebe alguma coisa das mãos do candidato. E mais uma. E mais uma. Ao todo, foram sete pessoas.
“Eu falei para ele que estava passando por um momento difícil, que eu estava precisando de uma ajuda. E ele só me passou a quantia”.
“Ainda falou assim: ‘conto com a sua colaboração no dia tal, lá’. Assim que ele fala: ‘conto com sua ajuda’”.
Município de Codó, no interior do Maranhão. Zito Rolim, candidato do PV à reeleição em 2012, faz campanha de casa em casa.
Depois de entrar em uma casa, ele tira a mão do bolso e cumprimenta um eleitor. E se afasta. É quando o homem, contente, estica o que parece ser uma nota de dinheiro.
Em outro vídeo, Zito entra em uma casa abraçado a uma mulher. Os dois vão até o quarto. Ela pega um papel no chão.
O candidato segura o papel, olhando para a porta como se estivesse preocupado, coloca dentro dele uma coisa que tirou do bolso.
Outra eleitora diz que é comum candidatos distribuírem dinheiro nas campanhas municipais em Codó.
“Eles chegam nas casas, eles pede licença; às vezes chama a gente dentro do quarto para falar sobre o que a gente precisa, aí dão o dinheiro”.
Agora, é um cabo eleitoral que conta as notas. Depois, se aproxima de uma mulher. E, sem olhar para ela, ele entrega o que, segundo o Ministério Público, é dinheiro.
Aí ele vai embora, e a mulher coloca a criança no chão. Em seguida, ela verifica as notas e sai.
“Você quer permanecer aqui?”
“Com certeza, né?”
Agora estamos em Bom Jesus das Selvas, interior do Maranhão. A então candidata do PT do B, Cristiane Damião, visita eleitores que invadiram as terras que pertencem à família dela e passaram a viver ali.
“Pois olha só: vocês têm todo o direito de permanecer aqui. Mas eu, a dona da terra, é que realmente autorizo vocês ficarem. Por isso eu preciso da ajuda de vocês, eu preciso do voto de vocês”.
O vídeo foi gravado na casa da família do lavrador Francisco, uma das 2,5 mil que invadiram a propriedade de Cristiane.
“Eu achei que era, sim, comprando o voto da gente”.
“Se nós votasse nela, nós tinha como ter a terra”.
“Prometer alguma coisa que é um dever público isso faz parte da campanha isso é lícito, isso é permitido. O que não é permitido é oferecer um bem, dar uma camiseta, dar algum bem, dar alguma vantagem que leve a esta pessoa a ficar comprometida com aquele candidato”, define José Antonio Dias Toffoli, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Hoje, a Justiça Eleitoral tem, pelo menos, 10,5 mil processos que questionam candidatos e prefeitos eleitos em 2012. Em cerca de 1,2 mil, a acusação principal é a compra de votos.
“O número de casos que chegam à Justiça Eleitoral infelizmente é ainda muito grande. É algo que se espraia por todo o país. Não é algo exclusivo de alguma região ou mesmo até de classes sociais”, diz o presidente do TSE.
“O voto pode valer uma prestação de crediário numa loja, pode valer um tanto de tijolos”, conta o promotor Gustavo Bueno.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, além de dinheiro, os bens e serviços mais oferecidos aos eleitores por candidatos corruptos são: laqueadura, um procedimento de esterilização para mulheres, implante dentário e material de construção. Desde 2012, 166 prefeitos tiveram seus mandatos cassados.
“Os dois lados têm responsabilidades. É muito fácil acusar que ele comprou votos, mas e quem vendeu o seu voto?”, questiona José Fortunati, presidente da Frente Nacional dos Prefeitos.
“É necessário que os eleitores se afastem desse tipo de atividade e que denunciem políticos que ofereçam algum tipo de vantagem indevida ao invés de receber essas vantagens e ir à urna e votar”, diz Dias Toffoli.
Em Bom Jesus das Selvas, um homem diz que na última eleição foi oferecido todo tipo de vantagem em troca do voto.
“Cesta base, dinheiro. Prometia material pro povo. Quarenta telhas, um metro de areia, porque é para botar o piso na casa. Tá entendendo?”
E uma eleitora afirma que a então candidata Cristiane Damião prometeu um terreno.
“Se eu votasse nela ela me dava o local para mim fazer a minha casa, né?”
Cristiane nega ter comprado votos e diz que o vídeo é uma montagem.
“Isso aí, vídeo é montagem, vídeo pode denegrir imagem, pode fazer muitas coisas”, diz Cristiane Damião, prefeita de Bom Jesus das Selvas.
A pedido do Fantástico, o perito Ricardo Molina, analisou o vídeo. Segundo ele, não existe montagem.
“Essa gravação é perfeitamente autêntica”, diz Ricardo Molina.
Fantástico: Não sofreu nenhum tipo de edição, nada.
Ricardo Molina: Nem edição, nem montagem. A gravação é perfeita.
Cristiane diz também que quer remover as famílias que invadiram o terreno da família dela.
“Se eu estou trocando lotes por terra, como que eu ia entrar na Justiça para reintegrar minha terra? Jamais”, diz a prefeita.
Em Codó, Zito Rolim afirma que jamais comprou votos.
“Em nenhum momento manuseei dinheiro. Eu estava com os santinhos, que são aquelas fotos pequenas, no bolso e entreguei para uma pessoa, como é normal. A gente, à medida que vai fazendo campanha, visitando nas ruas, nas casas onde a gente entra, a gente entrega aquele santinho com o número e tal”, diz Zito Rolim, prefeito de Codó.
Como você viu no início da reportagem, no vídeo Zito aparece pegando um papel da eleitora e parece colocar algo dentro dele antes de devolver. Faz isso olhando para a porta, como se estivesse preocupado. O prefeito nega ter dado dinheiro à mulher, e diz que o papel era uma receita médica.
“A pessoa me pediu a receita, e eu, entregando a receita de volta, eles entenderam que fosse uma cédula que a gente tivesse passando para o eleitor. Não foi nada disso”, nega o prefeito.
“Os vídeos mostram a entrega de dinheiro a pessoas dentro de casas, durante uma caminhada. Na visão do Ministério Público não há dúvida nenhuma. Na verdade, se conseguiu em Codó uma proeza, que é confirmar algo que todo mundo sabe que acontece mas que é de difícil confirmação”, revela a promotora de Codó Lindaluz Matos Carvalho.
No início da reportagem você viu o então candidato a prefeito de Paulínia, Edson Moura, acompanhado do filho, Edson Moura Júnior.
O pai acabou sendo barrado na eleição de 2012 pela Lei da Ficha Limpa, por conta de uma condenação por improbidade administrativa.
Por isso, um dia antes da votação, ele desistiu da candidatura e colocou o filho como candidato. Edson Moura Junior acabou sendo eleito.
“O candidato recebia eleitor por eleitor, pedia o voto do eleitor e dizia que podia ajudar de alguma maneira, perguntava se podia ajudar de alguma maneira. E aí então ele entregava o dinheiro pro eleitor em troca do voto”, diz Kelli Arantes, promotora de Paulínia.
Ao longo de um mês, o Fantástico pediu entrevistas a Edson Moura e seu filho. Foi à prefeitura na tentativa de entrevistar o prefeito. E ligamos seguidas vezes para os telefones de Edson Moura e Edson Moura Júnior.
Não tivemos resposta. Os três casos que você viu nesta reportagem ainda aguardam decisões da Justiça Eleitoral. Os candidatos foram eleitos e permanecem nos cargos.
Sobre o processo contra Cristiane Damião, a presidência do Diretório Estadual do PT do B no Maranhão afirma que não vai emitir juízo de valor e que a Justiça é competente para apurar o caso.
Já o presidente do PV do Maranhão, deputado federal Sarney Filho, diz que o partido confia na Justiça e que, se o prefeito Zito Rolim for condenado, será aberto um processo na comissão de ética do PV.
Em São Paulo, a assessoria jurídica do PMDB estadual afirma que não pode haver condenação sem provas e sem o devido processo legal. Segundo a assessoria, todas as denúncias têm que ser apuradas.
Para o presidente da Confederação Nacional de Municípios, a compra de votos não é uma prática generalizada nas eleições municipais.
“Pode confiar nos prefeitos, na ampla maioria. Não vou dizer que 5. 568 não tenha algumas dezenas que estejam cometendo ato ilícito. E quem cometer ato ilícito tem que ir para cadeia”, afirma Paulo Ziulkoski.
“Temos que separar aqueles que são feitos simplesmente como denúncias vazias de competidores contra o seu adversário. Não são poucos os casos que são confirmados, isso realmente traz um dano moral, ético e político ao Estado Democrático de Direito”, diz José Fortunati.
“É uma mudança de cultura que não é só do político, é da sociedade brasileira”, define Dias Toffoli.
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