domingo, 28 de julho de 2013

Joaquim Barbosa: Brasil não está preparado para um presidente negro

O Globo
  • Presidente do STF falou com exclusividade à colunista Míriam  Leitão

Míriam Leitão
 
RIO – Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda há bolsões  de intolerância racial não declarados no Brasil. Ele afirma não ser candidato e  diz que seu nome tem aparecido com relevância em pesquisas eleitorais por causa  de manifestações espontâneas da população. Segundo ele, que se define  politicamente como alguém de inclinação social democrata à europeia, o Brasil  precisa gastar melhor seus recursos públicos, com inúmeros setores que podem ser  racionalizados ou diminuídos.
O senhor é candidato à presidente da República?
Não. Sou muito realista. Nunca pensei em me envolver em política. Não tenho  laços com qualquer partido político. São manifestações espontâneas da população  onde quer que eu vá. Pessoas que pedem para que eu me candidate e isso tem se  traduzido em percentual de alguma relevância em pesquisas.


As pessoas ficaram com a impressão de que o senhor  não cumprimentou a presidente.
Eu não só cumprimentei como conversei longamente com a presidente. Eu estava  o tempo todo com ela.
O Brasil está preparado para um presidente da República  negro?
Não. Porque acho que ainda há bolsões de intolerância muito fortes e não  declarados no Brasil. No momento em que um candidato negro se apresente, esses  bolsões se insurgirão de maneira violenta contra esse candidato. Já há sinais  disso na mídia. As investidas da “Folha de S.Paulo” contra mim já são um sinal.  A “Folha de S.Paulo” expôs meu filho, numa entrevista de emprego. No domingo  passado, houve uma violação brutal da minha privacidade. O jornal se achou no  direito de expor a compra de um imóvel modesto nos Estados Unidos. Tirei  dinheiro da minha conta bancária, enviei o dinheiro por meios legais, previstos  na legislação, declarei a compra no Imposto de Renda. Não vejo a mesma exposição  da vida privada de pessoas altamente suspeitas da prática de crime.
Como pessoa pública, o senhor não está exposto a todo tipo de  pergunta e dúvida dos jornalistas?
Há milhares de pessoas públicas no Brasil. No entanto os jornais não saem por  aí expondo a vida privada dessas pessoas públicas. Pegue os últimos dez  presidentes do Supremo Tribunal Federal e compare. É um erro achar que um jornal  pode tudo. Os jornais e jornalistas têm limites. São esses limites que vêm sendo  ultrapassados por força desse temor de que eu eventualmente me torne  candidato.
Que partido representa mais o seu pensamento?
Eu sou um homem seguramente de inclinação social democrata à europeia.
Como ampliar o Estado para garantir direitos de quem esteve  marginalizado, mas, ao mesmo tempo, controlar o controle do gasto público para  manter a inflação baixa?
O primeiro passo é gastar bem. Saber gastar bem. O Brasil gasta muito mal.  Quem conhece a máquina pública brasileira, sabe que há inúmeros setores que  podem ser racionalizados, podem ser diminuídos.
O senhor disse que o Brasil está numa crise de representação  política. O que quis dizer com isso?
Ela se traduz nessa insatisfação generalizada que nós assistimos nesses dois  meses. Falta honestidade em pessoas com responsabilidade de vir a público e  dizer que as coisas não estão funcionando.
Quando serão analisados os recursos dos réus do  mensalão?
Dia primeiro de agosto eu vou anunciar a data precisa.
Eles serão presos?
Estou impedido de falar. Nos últimos meses, venho sendo objeto de ataques  também por parte de uma mídia subterrânea, inclusive blogs anônimos. Só faço um  alerta: a Constituição brasileira proíbe o anonimato, eu teria meios de, no  momento devido, através do Judiciário, identificar quem são essas pessoas e quem  as financia. Eu me permito o direito de aguardar o momento oportuno para  desmascarar esses bandidos.
Por que o senhor tem uma relação tensa com a imprensa? O senhor  chegou a falar para um jornalista que ele estava chafurdando no  lixo.
É um personagem menor, não vale a pena, mas quando disse isso eu tinha em  mente várias coisas que acho inaceitáveis. Por que eu vou levar a sério o  trabalho de um jornalista que se encontra num conflito de interesses lá no  Tribunal. Todos nós somos titulares de direitos, nenhum é de direitos absolutos,  inclusive os jornalistas. Afora isso tenho relações fraternas, inúmeras com  jornalistas.
A primeira vez que conversamos foi sobre ações afirmativas. Nem havia  ainda as cotas. Hoje, o que se tem é que as cotas foram aprovadas por  unanimidade pelo Supremo. O Brasil avançou?
Avançou. Inclusive, entre as inúmeras decisões progressistas que o Supremo  tomou essa foi a que mais me surpreendeu. Eu jamais imaginei que tivéssemos uma  decisão unânime.
Nos votos, vários ministros reconheceram a existência do  racismo.
O que foi dito naquela sessão foi um momento único na história do Brasil. Ali  estava o Estado reconhecendo aquilo que muita gente no Brasil ainda se recusa a  reconhecer, e a ver o racismo nos diversos aspectos da vida brasileira.
Os negros são uma força emergente. Antes, faziam sucesso só nas artes  e no futebol, mas, agora, eles estão se preparando para chegar nos postos de  comando e sucesso em todas as áreas. Como a sociedade brasileira vai  reagir?
Ainda não vejo essa ascensão dos negros como algo muito significativo. Há  muito caminho pela frente. Ainda há setores em que os negros são completamente  excluídos.
Como o Brasil supera isso?
Discutindo abertamente o problema. Não vejo nos meios de comunicação  brasileiros uma discussão consistente e regular sobre essas questões.
Como superar a desigualdade racial, mantendo o que de melhor  temos?
O que de melhor nós temos é a convivência amistosa superficial, mas, no  momento em que o negro aspira a uma posição de comando, a intolerância  aparece.
Como o senhor sentiu no carnaval tantas pessoas com a máscara do seu  rosto?
Foi simpático, mas, nas estruturas sociais brasileiras, isso não traz  mudanças. Reforça certos clichês.
Reforça? Por quê
Carnaval, samba, futebol. Os brasileiros se sentem confortáveis em associar  os negros a essas atividades, mas há uma parcela, espero que pequena da  sociedade, que não se sente confortável com um negro em outras posições.
O senhor foi discriminado no Itamaraty?
Discriminado eu sempre fui em todos os trabalhos, do momento em que comecei a  galgar escalões. Nunca dei bola. Aprendi a conviver com isso e superar. O  Itamaraty é uma das instituições mais discriminatórias do Brasil.
O senhor não passou no concurso?
Passei nas provas escritas, fui eliminado numa entrevista, algo que existia  para eliminar indesejados. Sim, fui discriminado, mas me prestaram um favor.  Todos os diplomatas gostariam de estar na posição que eu estou.  Todos.

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