Do Imirante
Incúria que mata: mesmo após a identificação de mais de 60 áreas de risco de deslizamento em São Luís, a combinação de chuvas de forte intensidade, desleixo e desordem urbana, ainda, causa vítimas na capital maranhense. A situação perdura ano após ano e ganha destaque a cada período chuvoso. No início da semana, o futuro de uma adolescente foi, bruscamente, interrompido. A mais recente vítima dos deslizamentos de terra na cidade tinha apenas 12 anos e morreu soterrada pelos escombros da própria casa onde sua família morava, na Segunda Travessa Babilônia, no bairro do Coroadinho – quarto maior assentamento urbano informal do Brasil, com população estimada em 53.945 habitantes e 14.278 domicílios, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A chuva forte e localizada, de acordo com a meteorologia, foi causada pelas Ondas de Leste – fenômeno formado na área de influência de ventos alísios, próximo à Linha do Equador – e Zona de Convergência Intertropical (ZCIT).
A casa fica no alto de um morro e, desde a terça-feira (6), permanece coberta por uma lona, como uma medida paliativa para evitar novas tragédias na região. As casas mais próximas estão interditadas. A reportagem do Imirante.com foi até o local – veja na galeria de fotos. Em uma rua pavimentada com cimento, que dá acesso ao imóvel, encontramos mototaxista e taxista Augusto Costa, que mora há 20 anos no Coroadinho, a poucos metros do local do deslizamento de terra. Baleado na coluna vertebral em um assalto acontecido há, aproximadamente, um mês – lesão que tirou, temporariamente, os movimentos das pernas –, ele aceitou conversar com nossa equipe sobre a tragédia. Ele conta que, naquela madrugada, houve grande correria no local logo que se ouviu o estrondo. “Toda chuva, todo inverno é assim. Nessa área todinha, todo ano, existe uma tragédia. Quando não é aqui, é próximo daqui”, diz.
A dona de casa Iziane Pereira Lopes revela o sentimento dos moradores daquela área. “Foi triste demais. Todo mundo ficou triste, porque era uma menina alegre que só ela. Todo mundo ficou triste. Até agora, a gente está triste, pensando na situação dela, tão novinha, coitadinha”, diz.
O pai da jovem havia sido o único a conseguir sair da casa antes do desabamento. Com a ajuda de vizinhos, ele retirou a esposa e a filha mais nova, que foi encaminhada a um hospital da cidade. Com a casa destruída, o corpo da adolescente teve que ser velado na casa de parentes.
Na madrugada de segunda-feira, de acordo com as medições da Superintendência Municipal de Defesa Civil, o índice pluviométrico na região ficou acima dos 80 milímetros (mm) – para que se entenda, o cálculo do volume de chuvas é feito pela lâmina d’água, em altura, acumulada por metro quadrado (m²), que é medida por um aparelho meteorológico chamado de “pluviômetro”. O Laboratório de Meteorologia (Labmet) do Núcleo Geoambiental (Nugeo), ligado à Universidade Estadual do Maranhão (Uema), não possui estação no bairro do Coroadinho, mas, no mesmo período, registrou o maior volume de chuva na estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) localizado no Itapiracó: 89 mm. Com o alto índice pluviométrico, o polo Coroadinho é uma das áreas de risco com situação mais crítica.
No dia seguinte à tragédia, a Defesa Civil vistoriou os locais onde foram registradas 20 ocorrências, nos bairros do Coroadinho, Residencial Piancó, Vila Embratel, Cruzeiro do Anil, São Bernardo, Goiabal e Anil. Em entrevista ao Imirante.com – no local da tragédia –, a superintendente da Defesa Civil do município, Elitânia Barros, explicou os fatores que levaram ao desabamento no Coroadinho. “Essa área aqui é um dos pontos de risco catalogados pela Defesa Civil, até porque têm moradores que moram em cima e embaixo da encosta. Na segunda-feira, pela manhã a minha Coordenação Técnica veio, e foram detectados três fatores que ocasionaram esse deslizamento: o primeiro, segundo os vizinhos, o proprietário estava escavando a barreira; segundo, nós identificamos muitas bananeiras, e a bananeira acumula muita água; e, terceiro, o índice pluviométrico elevado. Somando esses três fatores, aconteceu o deslizamento, infelizmente com uma vítima”, esclarece – ouça a entrevista na íntegra.
De segunda até quarta-feira (7), outras cinco residências foram desocupadas por risco de desabamento na Segunda Travessa Babilônia. “Aqui, está provado que o solo está totalmente encharcado. O índice pluviométrico está alto. Então, essas famílias estão em alto risco. A orientação que a Defesa Civil dá a essas famílias é que, pelo menos, nesse período de 30 dias, que elas evitem permanecer nesse local. Pelo menos, nesses 30 dias, em que já choveu 30% do esperado para o período. Então, a melhor forma de se prevenir é não continuar no local”, completa. Durante a semana, os trabalhos foram intensificados, ainda, na Segunda Travessa do Piancó, na Vila Embratel.
Há alguns anos, a Prefeitura de São Luís experimentou o uso de um gel impermeabilizante nas encostas, também como forma de prevenção de deslizamentos de terra. A superintendente, no entanto, explica que a tentativa não logrou sucesso. “Eu não digo que funcionou muito bem porque, onde foi colocado, tiveram alguns lugares que continuou deslizando”, explica.
Ocupação irregular
A ocupação irregular do solo urbano é um fator que preocupa os órgãos de assistência social e a Defesa Civil. Um levantamento recente da Secretaria Municipal de Segurança com Cidadania (Semusc) detectou 66 áreas de risco. O número cresceu se comparado ao ano passado, quando foram identificados 62 pontos de risco de deslizamento. À época, o Ministério da Integração Nacional classificou a capital maranhense como uma das 56 cidades da região Nordeste com “elevado risco de deslizamentos, desmoronamentos e enxurradas”. “Toda área de risco não é propícia para a moradia. A vulnerabilidade é muito grande. Infelizmente, é uma questão social, é uma questão cultural. É um problema das grandes cidades, não só de São Luís”, explicita Elitânia Barros.
Os moradores e comerciantes, entretanto, ignoram as orientações dos órgãos e desafiam a própria sorte: o Imirante.com encontrou material de construção em algumas residências e até presenciou o trabalho de pedreiros que ampliam a estrutura de uma pequena oficina de motos, que funciona em um terreno bem próximo ao local do desabamento da última segunda-feira.
Além da ocupação irregular, os moradores despejam lixo e entulho nas áreas de encosta, cultura que os torna vilões e vítimas do próprio drama. O morador Augusto Costa relata que a situação é constante. “Os vizinhos contribuem demais. Os vizinhos lá de cima, que faz parte da outra rua, jogam todo o lixo para a parte de baixo. Então, esse lixo vai se aglomerando, e chega nessa época de inverno, acontece. Foi isso que aconteceu aí. Veio muito lixo lá de cima, com água, a casa próximo à barreira, e aconteceu a tragédia”, narra.
O Imirante.com flagrou o momento em que um morador joga folhas de palmeiras em um local onde já há um amontoado de lixo. A superintendente da Defesa Civil explica as consequências da atitude desses moradores. “O lixo, quando ele começa a jogar em cima da encosta, ele impede que a planta respire, e, com isso, ela morre. Quando chove, mais fácil a infiltração. Com isso, o solo fica encharcado, e com o índice pluviométrico elevado, há o deslocamento do solo”, afirma.
Prevenção
Indo contra o desinteresse de alguns moradores, a Superintendência Municipal de Defesa Civil realiza intensa campanha de orientação e conscientização, a fim de minimizar os riscos. Durante a conversa com a reportagem do Imirante.com, a dona de casa Iziane Pereira Lopes se colocou na posição de “testemunha” do trabalho feito. “A Defesa Civil o tempo todo está avisando. Todo dia, eles estão avisando, eles estão alertando sobre a barreira”, assegura. “Acho que não é culpa deles, não. O morador é que tem que se conscientizar sobre o que é melhor para a família, aí correr atrás de uma assistência do governo para ajudar na sua moradia”, completa.
Ela revela, ainda, que o trabalho é feito com antecedência. “Antes da chuva, há uns dois meses, eles vieram, avisaram todo mundo, que quem morava em área de risco era para ter cuidado e procurar eles, se fosse necessário. Eu sou testemunha, que eu vi eles aí. Ninguém é inocente aqui”, diz.
A superintendente Elitânia Barros afirma que, ao entregar o material explicativo, os agentes da Defesa Civil orientam os moradores, de casa em casa. “Nossa campanha educativa começou por essa área aqui, onde nós distribuímos fôlderes, cartilhas, adesivos com o número da Defesa Civil, e a questão mesmo de informá-los de que é área de riscos, e, com a incidência das chuvas, o índice pluviométrico elevado, eles podem sofrer esse tipo de sinistro. Quando o cidadão começa a cortar o pé da barreira, então significa que ele não leu o material que a gente deu para ele. Quando a pessoa começa a jogar lixo em cima da encosta ou nos córregos, ele não leu o material. Esse material a gente distribui de residência em residência”, afirma.
Ela destaca a importância do papel da Defesa Civil na identificação das áreas de risco na capital maranhense. “Antes de existir a Defesa Civil municipal, não existia mapeamento. Não se sabia quantas áreas de deslizamento existiam em São Luís. Não se sabia nem se tinha. Sabia quando acontecia o sinistro. Com a criação da Defesa Civil, nós mapeamos a cidade. Nós identificamos 66 pontos de risco. Nós encaminhamos às autoridades, tanto municipal, quanto estadual. A partir daí, a gente começou o trabalho de monitoramento das áreas, fez o trabalho, também, preventivo, de informar, tentar sensibilizar essas famílias de que elas estão em área de alto risco”, diz. O trabalho de orientação funciona, ainda, pelo telefone 153, que funciona 24h.
A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), em parceria com o Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (Ceped), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), deve ampliar esse trabalho de orientação, capacitando gestores da administração pública estadual e municipal, entre os dias 16 e 20 de maio.
Assistência social
Questionada pela reportagem do Imirante.com, a Prefeitura de São Luís garantiu, por meio de nota – leia na íntegra –, que “desenvolve ações de prevenção e de auxílio às vítimas de acidentes em áreas de risco da capital” e “realiza constante mapeamento das localidades com risco de deslizamento de terra e trabalho de prevenção com palestras educativas”. Com projetos e programas sociais, completa, “presta apoio e suporte psicológico às vítimas”.
Na Vila Apaco, segundo a prefeitura, famílias estão sendo cadastradas para receber o aluguel social, além de kits com redes, lençóis e água, por meio de um trabalho articulado entre a Semusc e a Secretaria da Criança e Assistência Social (Semcas). Atualmente, segundo a Prefeitura de São Luís, 217 pessoas recebem o benefício do aluguel social. O valor do auxílio provisório – que tem duração de um ano, e pode ser renovado por mais dois anos – varia entre R$ 200 e 350, dependendo da região.
Chuvas abaixo da média
Apesar das fortes chuvas registradas nos últimos dias, o índice pluviométrico na cidade está abaixo da média do que é esperado, segundo o Labmet. De janeiro a abril deste ano, o volume de chuvas correspondeu a 45,24% do normal para o período.
Nenhum comentário:
Postar um comentário